2009/06/11

Ponto de situação

O que significa para mim ser Cristão? Tempos a tempos ponho esta questão a mim mesmo, não porque tenha dúvidas sobre se é este o caminho da salvação (disso não tenho dúvidas, pois disse Jesus «Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida.» [Jo 14,6]), mas para ver se o meu entendimento sobre o que significa e implica ser Cristão se mantem inalterado ou se se aprofundou.

Portanto, neste período da minha vida, quase dois anos depois de ter regressado a Santa Mãe, qual o balanço a fazer? Ser Cristão é apenas seguir uma filosofia; o Cristianismo é apenas mais uma filosofia, embora das mais sublimes (se não A mais sublime)? Em verdade, no início, antes de regressar completamente ao seio da Igreja, admito que tivesse uma concepção semelhante a essa do Cristianismo. Mas algo dentro de mim ansiava por Verdade, por algo imutável, por uma fundação de rocha sólida - não por "verdades" - e a minha alma irrequieta, impelida talvez pela graça de Deus, reconheceu que talvez o caminho para a Verdade seria por aqui. Nessa altura não imaginava que o Caminho fosse a Verdade. Mas, e agora? É ou não uma filosofia? É um conjunto útil de ideias? Reconhecer Jesus como salvador: é apenas algo a que aceno que sim com a cabeça, escolhendo dos seus ensinamentos o que mais me convem ou me interessa, e sigo caminho como se nada fosse? É um exercício puramente mental, que se passa apenas no campo das ideias?

Não. Para mim (e acredito que será esta a opinião de todo o Cristão), é algo que vai muito mais profundo. É algo que apela ao ser humano na sua totalidade, que o mobiliza não só a nível intelectual, mas também a nível afectivo e espiritual. Há uma ideia que vai fazendo cada vez mais sentido para mim - a vida como liturgia; a vida como eucaristia. A nossa fé é Incarnacional. Durante muito tempo questionei-me quanto ao que isto quereria dizer. Não deveria o objectivo ser nós nos tornarmos "boas pessoas", obedecermos a Deus? Aos poucos tenho vindo a descobrir que isto é uma visão muito restrita, ou então que assim não estámos a ver a floresta, mas apenas as arvores.

O que caracteriza o Cristão? Não são as boas obras? Não é amar o próximo; fazer o Bem? Penso que se limitarmos o ser Cristão a isto, estamos a confundir os fins com os meios. O fim, o telos, do Cristão não é fazer o Bem; pelo menos não o fazer só por fazer. Afinal, existem muitas pessoas, não-Cristãos, não-crentes que também fazem o Bem, que ajudam o próximo. Não o fazem por Cristo, e muitos talvez até nem o farão pelos motivos mais nobres. Ser Cristão tem de ser algo mais que ser um "assitente social glorificado". A Igreja não é uma instituição humanista filantrópica - é algo muito mais.

Nem é o Cristianismo apenas mais uma espiritualidade para chegar até Deus, conforme nos prega o relativismo dos nossos tempos. O Cristianismo é a "espiritualidade" (usando um termo tão em voga que acabou por perder todo o sentido) por excelência para chegar até Deus precisamente porque é revelado por Ele. Não, não troquei os tempos verbais; quero mesmo dizer ". E uso o pretérito perfeito porque apesar de Deus se "ter feito carne" e habitado entre nós durante um período específico na história, Ele próprio nos disse que não nos abandonaria, que estaria sempre presente (Jo 14,18-20). O Filho não nos revelou e Pai e depois disse "agora desencoisem-se". Estando sempre presente, e indo nós aprofundando a nossa relação com Ele, Ele está-nos constantemente a revelar o caminho para o Pai.

Mas afinal para que serve o Cristianismo? O que quer dizer ser-se Cristão? Penso que todos concordaremos com a seguinte afirmação: ser-se Cristão implica desenvolver uma relação com Deus, certo? O objectivo é sermos santos, pois assim Deus ordena "Sêde santos, como o vosso Senhor é Santo" (Lv 11,44; 1Pe 1,16) . Mas como é que nós, criaturas (de natureza caída, apesar de redimidas), conseguímos aprofundar a nossa relação com O Pai? Temos o Filho como exemplo. Mas é só seguir o exemplo do Filho? Penso que não é algo assim tão superficial. Deus quer que participemos na sua divindade, que participemos na comunhão que é o Mistério da Trindade. Mas como? Repito, a nossa fé é Incarnacional. Temos de nos tornarmos Cristo. Jesus tem de encarnar em nós, através do Espírito Santo. Isto não é algo que nós, pelas nossas limitações, conseguimos fazer. Deus o faz pelo Espírito Santo recorrendo aos Sacramentos que O Filho nos deixou.

Devemos procurar o theosis, devemo-nos "esvaziar", morrer para nós mesmos, para que Cristo viva em nós. O objectivo é transfigurarmo-nos. Devemo-nos conformar com Cristo. Devemo-nos tornar um tabernáculo. É com este fim que comemos o corpo de Cristo (desde que o façamos com o devido discernimento, diz-nos o Apóstolo [1Cor 11,27-29]). Procuremos tornarmo-nos naquilo que comemos. As boas obras não são um fim; são um resultado desta conformidade com Cristo; são um sinal deste processo de divinização. O amor ao próximo cresce em nós à medida que Cristo cresce em nós. Nós só acedemos ao Pai pelo Filho (isto é, a quem Ele o der a conhecer [Mt 11,27]), e isto pelo poder do Espírito Santo. Claro que isto não é algo instantâneo (a não ser que Deus assim o queira e conceda essa graça a alguém); temos de ir correspondendo à graça que o Senhor nos vai dando, temos de ir cooperando com Ele. Deus não impõe a salvação a ninguém.

Conformarmo-nos com Cristo - é aqui que entra a parte da vida como liturgia, como eucaristia. Encontrar Deus nos outros, levá-l'O aos outros. Perdoar, amar, ser obediente ao Pai. Tomar-mos a nossa cruz diária em obediência filial, e sermos purificados pelo sofrimento. Não que o sofrimento por si seja algo de bom, ou que devemos procurar mais sofrimento que aquele que já nos cabe pela nossa vida, mas foi através dele que Cristo demonstrou o seu amor - ao Pai e aos homens - e é o caminho que todos os santos reconhecem. Às vezes leio na vida de alguns santos eles a desejarem para si mais sofrimento para se poderem unir a Cristo nela. E questiono-me como é que isso será possível, como se poderá desejar tal coisa. Isso assusta-me, profundamente. Penso que é um claro indicador do longo caminho que ainda há a percorrer. Oferecer esse sofrimento, uni-l'O ao sofrimento de Cristo. Dar graças a Deus sempre e em toda a parte. Devemos ser uma verdadeira Eucaristia. Devemo-nos rever na Liturgia, e a Liturgia deverá-nos reflectir.

Ao fim destes dois anos, é isto que neste momento ser Cristão significa para mim. É isto que é para mim. Deus me dê a força e graça para poder progredir neste caminho, pois sem Ele nada posso e ainda mal dei os primeiros passos.

Nota: Se por acaso aqui tiver dito algo que vá em qualquer maneira contrar os ensinamentos da Igreja, agradeço que o salientem para eu o poder corrigir.


1 comment:

Francis said...

He leído tu obra muchas veces, pero todavía no entiendo todo. Hay problemas de lenguaje. =( Sin embargo, creo que tienes unos pensamientos muy importantes aquí.

Muchos cristianos nunca piensan en el significado de sus vidas y su vocaciones como hijos de Dios todopoderoso. Por eso, te elogio.

La vida de un cristiano debe ser un proceso de cambiar la voluntad humana a la voluntad de Dios. Es imposible comprender totalmente el plan divino, pero es posible participar en la obra de Dios cuando hacemos Su voluntad. Estamos de acuerdo, ¿no?

¿Podrías aclarar la parte sobre la vida cristiana como liturgia y Eucaristía?