2008/10/31

"Mestre, onde moras?"

Vida apostólica ou monástica: a qual destas duas me chama o Senhor? Inicialmente era uma pergunta que nem punha a mim mesmo, mas com o avançar da caminhada é uma pergunta que tenho vindo a sentir a necessidade de fazer. E com isso em mente há algumas semanas atrás escrevi a um mosteiro a pedir algumas informações. A comunidade com a qual entrei em contacto é a do Mosteiro da Sagrada Resurreição. Porquê esta? Um dos principais motivos é que é uma comunidade Católica Bizantina. Como quero ir construindo uma visão mais completa da Igreja, composta tanto pela parte Ocidental como Oriental, e as maiores falhas de conhecimento dizem respeito à parte Oriental, lá os contactei na esperança de vir a perceber um pouco melhor a espiritualidade dos nossos irmãos Orientais. É interessante notar que a vida monástica no Oriente nunca deu origem a várias ordens e congregações como no Ocidente, que se diferenciam umas das outras pelas várias "Regras"; no Oriente cada comunidade monástica é única, com a sua própria "typicon" (que acabam por ser regras, mas não no sentido de como as entendemos no Ocidente).

Hoje chegaram pelo correio alguns panfletos da dita comunidade monástica. E embora só tenha passado os olhos superfialmente pelos documentos, houve uma passagem que me saltou à vista: "«Mestre, onde moras?» Ele respondeu-lhes: «Vinde e vereis.» Foram, pois, e viram onde morava e ficaram com Ele..." (Jo 1,38-39) Não é a primeira vez que a leio, especialmente no contexto do discernimento. Recordo-me de quando contactei com os Díscipulos pela primeira vez que o P. Juan Antonio Granados pouco adiantou no seu e-mail, explicando que era preciso "vir e ver". Mas hoje quando li esa passagem, fez-se luz. Entendi-a de uma forma como nunca antes a tinha entendido.

Jesus convidou os primeiros díscipulos a irem ver onde é que morava, onde é que habitava. Eles foram com Ele, viram onde habitava e ficaram. E onde "habita" Jesus senão no Pai? Os discípulos seguiram-No e testemunharam que Jesus realmente habita no Pai, que é uno com Ele. E como não ficar com Ele? Como não seguir o Seu exemplo? É esse o convite que Cristo também nos faz, a todos nós: de "ver onde Ele mora" para podermos ficar com Ele.

2008/10/29

Lectio Divina


Penso que nunca é demais encontrar novas maneiras de rezar, e tenho vindo a descobrir que as melhores maneiras são sempre as que fazem parte da nossa tradição, métodos que têm resistido à passagem do tempo porque são mais do que modas, porque realmente nos abrem para a graça do Senhor.

Um método que me despertou a atenção há algum tempo (embora ainda não tenha tirado o tempo para o pôr em prática) é a lectio divina. E em que consiste a "leitura divina"? Dado a minha inexperiência, só posso deixar aqui o básico do método. No final coloco uns links para poderem aprofundar mais.
A lectio divina compreende quatro etapas: Ler, Meditar, Rezar, Contemplar (não necessariamente nesta ordem). Antes de mais, devemos dedicar um tempo (alguns aconselham uma hora) específico durante o dia, num lugar onde existam o mínimo de distrações possível. Quanto ao material de leitura, tanto poderá ser a Sagrada Escritura (onde está, de certa forma, presente o Senhor) ou outro material espiritual edificante. Antes de iniciar a leitura devemos dizer uma prece, por exemplo ao Espiritio Santo para que nos ajude a estar receptívos ao que Deus nos tem para dizer.

  • Ler: convem escolher previamente o que se vai ler. O objectivo não é ler muito, mas ler devagar, saborear. Cada frase deve ser lida com atenção. Não estámos a ler de forma crítica; estámos a ler para que Deus nos fale através da leitura, portanto devemos ler com um espírito humilde e aberto ao Senhor ;
  • Meditar: quando encontramos uma frase que nos interpela, devemos repetí-la. Devemos repetí-la várias vezes, lentamente. A ideia não é tentar analizá-la (fazendo com que seja um exercício puramente intelectual), mas apenas ouví-la e tentar percebê-la na presença de Deus, tentar compreender o seu sentido espiritual;
  • Rezar: devemos dialogar com o Senhor sobre o que acabamos de ler;
  • Contemplar: não é algo que provém de nós; é uma realização repentina, e de curta duração, da presença e do amor de Deus, onde nos esquecemos do resto.
Mais aqui, aqui, e aqui. (páginas em inglês)

2008/10/26

"É bom estarmos aqui"

Ontém lá parti à aventura. Acordei bem cedo para apanhar o autocarro que me levaria até NYC, dado que a viagem demora cerca de uma hora. Acabei por apanhá-lo meia hora mais cedo do que esperava, o que foi uma bênção, pois chegado à cidade acabei por me perder! Um percurso que deveria demorar 15 minutos a pé transformou-se numa caminhada de uma hora: tinha o mapa de pernas para o ar...Mas lá cheguei, mesmo a tempo da missa das 11. E embora tenho ido lá propositadamente para falar com o padre dessa paróquia por causa de direcção espiritual, não foi o encontro que sobressaiu da visita. Não que algo tenha "corrido mal", longe disso - até foi muito semelhante à primeira reunião que tive quando comecei o meu discernimento ainda em Portugal - mas a missa acabou por eclipsar o resto do dia. Dos conselhos dados na reunião ficou o de "continuar a fazer o que tenho andado a fazer, a viver o dia-a-dia, que Deus vai revelando a sua vontade no quotidiano".A primeira visão que se tem ao chegar à porta principal da igreja é do sacrário. Gostei desse pormenor: sem nada a obstruir a linha de vista, mal entrámos deparámo-nos logo com o Senhor. Ajuda a relembrar que esta é a casa d'Ele por exclência e porque é que estámos ali. As paredes laterais têm as estações da cruz com dizeres junto a algumas das imagens. Existem dois confissionários, situados em pontos opostos da igreja; junto a cada confissionário há uma imagem de um santo (não tive oportunidade de ver quais são), e aos pés da imagem da parede lateral direita há um local onde se pode alumiar velas. Existem dois corredores de bancos, posicionados de cada lado da porta princípal. A parede que dá acesso ao altar está repleta de pinturas, sendo que as colunas estão cobertas de ícones; a parede atrás do altar tem um ícone em toda a altura de Cristo Pantocrator, ao lado do qual duas enormes colunas de mármore rosa ajudam a segurar o tecto. O altar está sob um dossel. Existe ainda um pequeno púlpito do lado esquerdo, um pouco antes do altar, mas atrás do pequeno corrimão que divide a zona do altar da zona dos fieis. Há também um orgão por cima da entrada da igreja, e vitrais no cimo das paredes laterais. O tecto está bastante elevado, talvez uns 7 ou 8 metros.

Agora, à missa propriamente dita. A missa foi toda cantada. E quando digo toda, quer mesmo dizer toda (fora a homilia). O coro ia cantando as preces em latim, volta e meia o orgão acompanhava (fazendo a estrutura estremecer), e as leituras foram cantadas em canto gregoriano. Senti-me muito pequeno, muito consciente da minha humilde existência (no bom sentido). Só me tinha sentido assim uma vez numa missa há muito tempo atrás, e pensei nunca mais vir a experimentar essa sensação.

A homilia também foi bastante boa. O padre falou sobre amor. Nós que somos cristãos, que dizemos que Deus é amor, que devemo-nos amar uns aos outros assim como nos amamos a nós mesmo, e amar a Deus acima de tudo, sabemos de que amor estamos a falar? Dado que a nossa palavra "amor" engloba tantos tipos diferentes de amor, às vezes é como Sto. Agostinho diz a respeito do tempo: "Não me perguntem o que é e saberei o que é; perguntem-me, e não saberei dizer". Deu para tirar bastante fruto ao longo da tarde.
Pode-se dizer que o amor cirstão é algo que tem a sua origem em Deus (já que Ele é amor), que tem de ser aceite (envolve o nosso livre arbítrio), logo também involve o nosso intelecto pois precisamos perceber o que estamos a aceitar (o que exclui que seja apenas um amor sentimental, uma emoção), e é uma constante (não podemos amar aos Domingos e não amar nos dias seguintes). Porquê então amar a Deus acima de tudo? Porque Ele a fonte do Bom, do Belo, da Verdade. Porque ao irmos percebendo cada vez mais o seu amor, percebmos o quanto Lhe devemos. E o que dizer do "amar os outros como amamos a nós mesmos"? Devemo-nos amar a nós mesmo porque reconhecemos que somos feitos à semelhança de Deus na nossa capacidade para amar. Penso que se pode dizer que é uma forma indirecta de amar a Deus. Mas este amor próprio não nos deve fechar sobre nós mesmos; deve-nos abrir para os outros. E amando os outros como a nós mesmos, reconhecemos neles a mão do Criador. Só as relações que tenham em conta este amor, esta presença dívina por assim dizer, são estáveis, só elas é que perduram. Porque Deus é o bem mais alto, Ele deve ser a fundação de tudo. É por ser o mais alto que Ele se fez homem e veio ao mundo, para servir e nos mostrar o caminho até Ele. Sendo Deus trintitário não é de estranhar que para nós aprendermos o que é amor necessitemos de três pessoas: Deus, Eu, e o Outro.Acho que muitos de nós confundimos este amor com o do tipo sentimental, que vai e vem. Eu sei que confundia. E talvéz este seja um dos problemas com os casamentos hoje em dia, agora que casamos "por amor". Quantas vezes não confundimos a paixão com o amor. Tempos depois a paixão extingue-se, dizemos que já não há aquela chama inicial, e concluímos logo que o amor não existe. Ás vezes tenta-se recuperar esse fogo inicial e quando falha cada um segue o seu caminho. Mas é precisamente quando a paixão se começa a esgotar que a semente do amor começa a florescer. Já não estamos cegos pela paixão e começamos a ver a pessoa por quem ela realmente é. Descobrimos os seus vícios e virtudes. E é aqui que entra o amor. Temos de aprender a amar. Havendo amor, aceita-se a pessoa tal e qual como ela é, assim como ela nos aceita a nós. Juntos reconhecemos que ambos somos criaturas incompletas, e ajudamo-nos um ao outro a crescer, a descobrir o verdadeiro sentido de amar. E assim vamos caminhando em direcção a Deus.

É caso para perguntarmo-nos: "alguma vez realemente amei alguem?" É um exercício curioso, olharmos para o passado e tentarmos descobrir se realmente alguma vez chegamos a amar alguém. Porque nunca amamos realmente, dispensamos com muita facilidade as palavras "Amo-te". Se realmente tivermos amado então saberemos o poder dessas palavras, e o quão assustadoras são, pois saberemos as suas implicações. Então talvéz não as diremos tantas vezes, mas quando as dissermos, será com convicção.

E assim foi o dia: um dia cheio. E não pude deixar de sair da igreja sem repetir a mim mesmo a frase que estava inscrita na parede sobre o altar: "É BOM ESTARMOS AQUI" (Mt 17,4).

Nunca estamos sós

Embora o estilo de música não condiga com as monjas ortodoxas, não deixa de ser uma canção bastante bonita.

2008/10/24

Algumas ideias sobre o Terço

Recordo-me vagamente de quando era pequeno a minha avó tentar-me insinar a rezar o terço. Não me lembro se ela teve êxito ou não. O que me recordo é que acabei por achar que rezar o terço era aborrecido e inútil. Era de esperar com um criança de 3 anos.

O que me ficou foi a ideia de o terço ser algo mecanizado, repetitivo. Foi assim que me explicaram. Mas só me explicaram a parte exterior de rezar o terço; nunca a parte interior (quanto à parte interior, tinha que se"rezar com fé a Nossa Senhora"). Talvez terá sido porque eu fosse pequeno nessa altura e não perceberia, ou porque talvez também só o soubessem rezar assim. Mesmo anos mais tarde, depois de voltar para a Igreja, continuava com esta visão distoricida do que é rezar o terço. Tinha-me esquecido de como se rezava e evitava até de (re-)aprender.

Mas um dia tive curiosidade de ver donde vem o terço. Afinal, faz parte da nossa tradição enquanto Católicos; como poderia eu depois explicar a alguém porque é que o rezava? Foi nestas andanças, de querer saber mais sobre Santo Domingos (segundo diz a tradição, a Virgem entregou-lhe o terço numa aparição) e o papel da Virgem na salvação, que tive ocasião de falar com um bom amigo meu que me ensinou realmente a rezar o terço - i.e., tanto exteriormente com interiormente. Com o tempo tenho vindo a apreciá-lo melhor, a encontrar paz, iluminação, assim como uma maior devoção à nossa mãe espiritual.De facto, rezar o terço deve empregar tanto a parte corporal como a espiritual do nosso ser. Há várias maneiras de o rezar. Às vezes pode-se só rezar "por rezar" (ou vocalizar as orações ou dizê-las no nosso intímo), sem se estar a meditar. Não me refiro aqui a um acto puramente corporal e mecânico, mas sim em rezar com intenção. Quando estamos com alguém que amamos não nos cansamos de lhe dizer: é esta a intenção de que falo.

Outra alternativa é meditar/contemplar os mistérios enquanto se vai orando vocalmente. Este método demora o seu tempo a dominar, mas penso que ajuda a compreender um bocado melhor como poderemos rezar sem sessar. Quando uma pessoa medita/contempla os mistérios enquanto está simultaneamente a rezar as Avé Marias, está de facto a rezar duas vezes ao mesmo tempo. A boca vai "recitando" (o que por sua vez também nos ajuda a concentrarmos, para além de estarmos a rezarmos à nossa mãe) e o nosso interior vai meditando/contemplando. Quiçá, com tempo e oração, não se possa vir a rezar constantemente no nosso interior enquanto fazemos as coisas do dia-a-dia.

Os nossos irmãos Orientais e Ortodoxos falam muito disto de que acabo de referir. Também eles têm um "terço", que chamam cordão de oração; mas em vez de rezarem Avé Marias rezam a Oração de Jesus.
Exemplo de um cordão de oração (chotski, russo; komboskini, grego)

Com tempo meto uns links com mais informações sobre rezar o terço, porque nem todos rezamos da mesma maneira, e de facto vale a pena aprender a amar esta potentíssima arma espiritual.

2008/10/23

Andanças pela natureza

Hoje recebi a notícia de que dentro de alguns dias irei-me encontrar com o meu novo director espiritual. Cheio de nervosísmo e de perguntas, decidi ir dar uma caminhada pelo parque próximo donde moro. Às vezes gosto de rezar enquanto ando - a cadência dos passos ajuda-me a concentrar melhor na oração.










E enquanto andava ia pedindo clareza a Deus e perguntando como será a reunião, como é que irei reagir, será que obterei mais algumas respostas para esta caminhada... Enfim, uma interminável lista de perguntas. E à medida que ia caminhando estás perguntas iam-me deixando cada vez mais irrequieto.

Foi então que finalmente me apercebi de um barulho que me chamou de volta ao mundo que me rodeava. Era o som "estaladiço" das folhas secas debaixo dos meus pés. Parei e olhei em redor. Cheirei o inconfundível odor de folhas secas. Ouvi os bandos ruídosos de gansos que voavam em Vs enormes, a caminho de zonas mais quentes. Vi árvores pintadas de vermelho, outras de dourado, outras de laranja. Vi o sol a pôr-se, e uma manada de veados que pastava ao longe parada a olhar para mim. Senti o vento frio que me atravessava de um lado ao outro e o nariz que começava a correr.

Fui chamado ao momento, ao aquí e agora. De repente esqueci todas aquelas perguntas. Fez-se silêncio em mim, e com isso veio a tranquilidade. Era como se o Senhor dissesse "Não te preocupes. Vai e confia." É algo que tenho de aprender a fazer - confiar mais em Deus (e quem diz Deus também diz nos outros). Tenho o mau hábito de tentar fazer tudo sozinho, de prever todas as possibilidades de um acontecimento e isso muitas vezes acaba por me impedir de agir (Já dizia o personagem das Notas do Subterrâneo do Dostoievski que "pensar demais é uma doença!"). Só pode agir com confiança, e a única confiança que se tem é Deus. É Ele a nossa base, o nosso fundamento. Nunca nos faltará, disso podemos ter certeza. E é com esta confiança que se consegue realmente viver. E quando digo realmente viver quero dizer viver o momento presente, dar o nosso todo por Deus e pelos outros agora, sem nos preocuparmos com o que está para trás nem com o que está para vir. Não quero com isto dizer que se deve esquecer o passado ou negligênciar o futuro; apenas que não nos deixemos consumir por eles ao ponto que apaguem o presente. O que passou passou; não se pode alterar. Se procedêmos mal no passado e se pecamos, peçamos perdão a Deus e força e clareza para agir melhor no futuro.


Viver aquí e agora, para nos entregarmos totalmente a Deus e aos nossos irmãos, só assim poderemo-nos salvar. É um desafio enorme. Talvez até o desafio. Mas é possível desde que oremos e confiemos em Deus.


Espero que gostem das fotos. Tirei-as depois de "voltar ao momento".

2008/10/22

22-10-08

Houve uma frase da leitura de hoje que ficou comigo: "Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais." (Lc 12,40)

Realmente é caso para perguntar: estaria eu pronto caso o Senhor me aparecesse hoje? E amanhã? Não me apanharia desprevenido? Em que estado está a minha alma? Desde o abalo de há alguns meses atras a minha vida espiritual não tem andado na sua forma antiga. Tenho demorado a retomar os meus velhoes hábitos de oração, de ir à missa, etc. Quando foi a última vez que recebi o sacramento da reconciliação? Onde foi aquela paz que sentia quando tinha uma vida espiritual bem mais activa do que actualmente tenho?

Esta inércia toda em recomeçar novamente no caminho do Senhor, de preparação para a sua chegada, deve-se fundamentalmente a uma coisa: pouca oração. O apóstolo exorta-nos a "orar sem cessar" (1 Ts 5,17). Porquê rezar constantemente? Porque a oração é a fonte da nossa vida espiritual. Rezar implica pormo-nos diante de Deus, de falarmos com Ele, e estarmos receptivos ao que Ele nos tem para dizer e à sua graça. Rezando, ficamos mais dispostos a seguir os seus caminhos. Há que perseverar na oração.

2008/10/21

Leituras Inacianas

Faz alguns meses que ando a ler Ignácio de Loyola, Solo y a Pie, de Jose Ignacio Tellechea. Na altura foi-me sugerido a sua leitura pelo padre que me acompanhava, assim como também pelo P. Juan Antonio Granados, D.C.J.M. aquando da minha visita à comunidade dos Díscipulos dos Corações de Jesus e Maria.

Jose Tellechea tenta-nos dar uma visão mais fiel possível do fundador da Companhia de Jesus, Sto. Inácio de Loiola. O castelhano às vezes não é fácil de seguir, mas consegue-se sempre tirar o sentido geral dessas passagens mais difíceis (creio que existe uma tradução portuguesa, mas até agora nunca encontrei).
Tellechea apresenta-nos a envolvente de Inácio ao longo da sua vida e mantem-nos em diálogo constante com ele. Vai fornecendo documentos históricos que comprovam ou esclarecem determinados momentos na vida do santo, para além de ter sempre em conta os Exercícios Espirituais.

Um bom livro. Sugiro-o a todos os Inaciofilos e/ou Jesuitofilos.

2008/10/20

"Vem e segue-me"

Quando é que tudo começou? Quando é que senti que o Senhor me chamava, que me pedia para O seguir e me dedicar inteiramente a Ele?

Andei muitos anos desligado de Deus e da sua Igreja. Fí-lo porque pensava que sabia tudo na altura, e na realidade não sabia nada. Não sabia nessa altura o que significava ser Católico, e quais as implicações de o ser. Então procurei respostas noutras religiões, na ciência, na filosofia: sempre que pensava ter finalmente encontrado as respostas que procurava, algo falhava. A inquietação interior continuava apesar de tudo. Chegou ao ponto de eu deixar de acreditar em qualquer coisa que fosse superior e exterior ao Homem.

Mas nem sempre o Sol nos sorri, nem o tempo é ameno. Muitas vezes surgem tormentas, especialmente quando menos esperamos. E como não pôde deixar de ser, a casa que estava fundada sobre a areia desmoronou-se "e grande foi a sua ruína" (Mat. 7,27). Mas apesar de eu ter virado as minhas costas a Deus, o Senhor jamais se esqueceu de mim. Nesse instante dei por mim a ajoelhar-me no meu quarto e, enquanto as lágrimas me escoriam pela cara abaixo, a dizer: "Senhor, ajuda-me! Sinto o peso dos pecados a sufocar-me e sei que sem Ti nada posso, que sem Ti nada faz sentido. Tem piedade de mim, que sou um pecador." O que me levou a proferir essas palavras? Não sei, como também não sei explicar o que aconteceu depois. Apenas sei que uma paz enorme se apoderou de mim. Agradeci ao Senhor por me ter escutado, deitei-me e dormi como há muito não dormia.
Quiçá, talvez todos esses caminhos travessos por onde andei errando, todo esse sofrimento pelo qual passei, Deus o tenha permitido para que eu O voltasse a encontrar (ou melhor, que finalmente encontrasse o caminho para Ele). Muitas vezes perguntamos a Deus como é que é possível Ele nos deixar sofrer se nos ama. A verdade é que os seus caminhos não são os nossos caminhos (Is. 55,8). Mas nestes casos gosto da seguinte metáfora: um pai tem de levar o filho ao dentista. Enquanto o filho é tratado pelo dentista, chora de dor e/ou de medo, olhando para o pai como quem pergunta "Porquê? Porque estando aí me deixas sofrer assim se dizes que me amas?" Mas o pai não deixa o filho sofrer porque tira prazer de o ver assim ou porque quer castigá-lo. O pai comove-se, compadace-se. Mas deixa-o sofrer porque sabe que no final o seu filho será tratado e sairá são.
Lembro-me que nos dias seguintes fui continuando a sentir aquela paz interior e num momento de alegria, sem saber bem o que estava a dizer, disse "Sim" ao Senhor. Naquele momento agradeci a Deus por me voltar a acolher e reconhecendo que a minha vida é um dom d'Ele, entreguei-Lha novamente, para que Ele se servisse dela conforme entendesse.

E o tempo foi passando e a oferta foi esquecida.


Saltemos no tempo, para um passado não muito longínquo, para o retiro que fiz no final do ano passado na Gafanha da Nazaré. Três dias de silêncio. Não sabia muito bem porque lá tinha ido. Sei que sentia necessidade de tirar tempo e realmente agradecer a Deus pela vida nova (coisa que a lufa-lufa do dia-a-dia não me permitia) que encontrei em Cristo. Senti-O muito próximo de mim nesses dias (lembro de descrever a uma amiga a sensação: era como se sentisse que alguém me sorria).

Poucas semanas depois surgiu uma pergunta dentro de mim. Ouvi uma voz muito suave dizendo "E porque não? Porque não uma vida dedicada a Deus, totalmente consagrada a Ele, e levando a alegria que Ele te dá aos outros?" Loucura! Eu, seguir uma vida religiosa?! Nem pensar! Era a última coisa que eu queria. Afinal, eu queria era casar e ter filhos, ter uma casa virada para o Mediterrâneo onde depois pudesse passar a minha velhice cultivando a terra e recebendo a família. Nunca tal coisa - "ser padre" - me tinha passado pela cabeça. E afinal, não tinham eles uma vida infeliz e só (ah, ignorância!)? Não, isso não era para mim. Além do mais, dizia a mim mesmo que isto devia ser resquícios ainda do retiro, que com tempo passava.
Mas não passou. A voz continuava, e quanto mais eu dizia "Não", mais ela perguntava "Porquê?" Chegou a um ponto que finalmente disse a mim mesmo: já que sempre que digo não isto insiste ainda mais, não vou dizer que não. Mas também não digo que sim. Deixo estar e logo se vê o que acontece.

O tempo foi passando, e eu continuando a tentar aprofundar a minha fé, tentando aprender como me converter cada vez mais para o Senhor. E com isto a vida religiosa já não me parecia tão medonha. Aos poucos comecei a ver que era uma vida tão completa (ou até mais) do que a com que eu sonhava. Mas pensei "quem sou eu para levar tal vida? Não sou digno de servir o Senhor; Ele não me chamaria. Portanto, não pode ser Ele que me chama, daí não poder responder 'sim'"

Foi aí que me lembrei de uma oferta há muito tempo atrás, um "sim" dado às cegas, sem saber muito bem a quê. "Ponho-me ao Teu dispor". Sim, foi isso que disse, mesmo que jamais me tivesse passado pela cabeça nessa altura alguma coisa semelhante a esta. Foi aí que renovei o meu sim, desta vez consciente do que estava a oferecer.

Mais há a contar, mas fica para outra altura. A noite vai longa e o sono vai-se fazendo sentir.



2008/10/18

Primeiro post

+JMJ+

Caros irmãos e irmãs em Cristo,

Bem-vindos ao meu blog. Este blog será uma espécie de diário da minha caminhada em direcção ao Senhor. Deus chama-nos a todos à santidade, seguindo o exemplo do seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, mas aos poucos tenho-me vindo a aperceber que Ele me chama para determinado tipo de vida. Cabe agora eu conseguir escutar o que Ele me vai dizendo aos "ouvidos do coração", e seguir esse caminho. E é essa caminhada que quero partilhar com vocês, com quem sinta o mesmo. Pois "os nossos corações estão inquietos enquanto não repousarem em Vós" (Confissões, Sto. Agostinho de Hipona).

Pax Christi,

Ora et Labora