2010/01/23

Proposta de meditação

Falava o outro dia com um amigo sobre o que significa encontrar Deus à nossa volta. Ele lançou por acaso o verso relativo à passagem de Deus por Elias (digo por acaso porque ele acabou por não explicar nada). Já há algum tempo que esse verso me intrigava, mas nesse momento também não pensei mais no assunto. Ontem veio-me à ideia os discípulos a caminho de Emaús e pareceu-me, embora fugazmente, que estes dois episódios estão intimamente ligados. Deixo aqui as passagens relevantes para meditarem sobre elas. A seu tempo colocarei aqui os frutos da minha (i.e., depois de a fazer, que ando um pouco para o preguiçoso ultimamente... :-D). Entretanto gostava que partilhassem os vossos frutos.

« O Senhor disse-lhe então: «Sai e mantém-te neste monte, na pre­sença do Senhor; eis que o Se­nhor vai passar.» Nesse momento, passou diante do Senhor um vento impe­tuoso e violento, que fendia as mon­tanhas e quebrava os rochedos diante do Senhor; mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava o Senhor. De­pois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Disse-lhe, então, uma voz: «Que fazes aqui, Elias?» » (1Rs 19,11-13)

« Nesse mesmo dia, dois dos discípulos iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer.

Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; como os sumos sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.»

Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito.

Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» » (Lc 24,13-32)


2010/01/22

Família

Deixo aqui uma lista de todas as Igrejas em comunhão com Roma, Igrejas sui juris. Somos todos família, portanto convém estar cientes de existência dos nossos familiares (somos 23 ao todo, já com a Igreja Romana!). São elas:

Rito Caldeu:
  • Igreja Siro-Malabar;
  • Igreja Caldeia;
Rito Alexandrino:
  • Igreja Copta;
  • Igreja Etíope;
Rito Antioqueno:
  • Igreja Maronita;
  • Igreja Siríaca;
  • Igreja Siro-Malancar;
Rito Arménio:
  • Igreja Armena;
Rito Bizantino (Divina Liturgia):
  • Igreja Albanesa;
  • Igreja Bielorussa;
  • Igreja Búlgara;
  • Igreja Croata;
  • Igreja Bizantina;
  • Igreja Húngara;
  • Igreja Italo-Albanesa;
  • Igreja Macedónia;
  • Igreja Melquita;
  • Igreja Romena;
  • Igreja Russa;
  • Igreja Rutena;
  • Igreja Eslovaca;
  • Igreja Ucraniana
Para cada uma destas Igrejas Católicas existe uma correspondente na Igreja Ortodoxa, menos no caso dos Maronitas.

Conversas

Conversar com os amigos é sempre interessante. Quase sempre aprendemos qualquer coisa, e com um bocadinho de sorte esse "qualquer coisa" é algo sobre nós mesmos.

Durante o jantar ontem falava com uma amiga sobre como para se chegar a determinados objectivos "em nome da liberdade" se minou o conceito de família e casamento de forma incremental. Incrementalismo é insidioso; como o próprio nome indica, são dados passos tão pequenos em terminado rumo que eles parecem desconexos até que ,quando finalmente chegamos ao objectivo, admiramo-nos como é que lá se chegou. Mas enfim, divago. Como dizia, falávamos sobre como se minou a instituição familiar. Abordou-se o acesso facilitado: primeiro ao divorcio, depois aos contraceptivos, depois ao aborto, e por aí fora.
Mas a conversa teve uma paragem abrupta quando mencionei o acesso facilitado aos contraceptivos. "Espera aí; eu estou a compreender bem?! Tu és contra isso?!" Foi mais ou menos algo nesta veia que eu ouvi. Que impedir o aparecimento natural de crianças é talvez grave, sim, nesse aspecto os contraceptivos são maus, admitiu a minha amiga; mas e em relação à prevenção das temíveis DSTs? Estaria eu disposto a defender uma ideia a ponto de deixar pessoas serem infectadas?!
Eu cada vez mais vou subscrevendo à ideia semítica de que o nome de uma coisa diz bastante sobre ela mesma, que nos diz qualquer coisa sobre a sua natureza. Ora contraceptivo quer dizer "contra a concepção". Ponto. Não vejo nesse nome mais nada que indique que seja função primária desses engenhos impedirem a transmissão de DSTs (até porque nem todos os fazem; veja-se o exemplo da pílula). Isso é algo que vem por acréscimo; um "efeito secundário", por assim dizer. Os contraceptivos têm como função primária impedir a gravidez - esse efeito nefasto e inconveniente das relações sexuais - incentivando assim a promiscuidade. "Mas diz que uma pessoa que nem seja promiscua uma noite saia e depois se acabe envolvendo com outra que não conheça. Aí já dá jeito, para prevenir." Bem, por onde começar? Para já, envolver-se sexualmente com desconhecidos faz parte da própria definição de promiscuidade; mas suponho que isso sejam picuinhices semânticas... Também o facto do aumento da promiscuidade estar correlacionado com a mutação de algumas DSTs é algo a ter em conta. Veja-se o caso do VPH, que depois origina o cancro cervical: segundo os estudiosos na matéria, este virus tem se tornado mais agressivo devido a mutações que têm vindo a sofrer, "curiosamente", desde da "revolução sexual".

São argumentos válidos, mas não era propriamente por aí que eu queria ir; não são necessariamente argumentos confessionais, embora possam eventualmente ser englobados nesse conjunto. Não, queria ver isto dum ponto de vista Cristão, já que é isso que eu e a minha amiga professámos ser. Alguém poderá dizer "a Igreja diz que não e tu vais atrás". Ora, estando em comunhão com a Igreja, devo estar em acordo com a sua doutrina (neste caso moral); é próprio do estar em comunhão. Mas mesmo sendo porque faz parte do ensinamento doutrinal, não é unicamente por causa disso. É algo mais fundo, que toca no âmago do ser-se Cristão. É uma questão de amor a Deus, mesmo que a pessoa ame tão imperfeitamente.
Amando a Deus, a pessoa deseja cumprir a vontade d'Aquele que ama. E essa vontade exprime-se amando e respeitando tanto a nós mesmos como os outros. Creio que muitos de nós nos esquecemos que o nosso corpo não nos pertence; ele não é um parque de diversões cujo único fim serve para nos dar prazer. A partir de momento do baptismo ele pertence a Deus; foi resgatado por um preço inimaginável; o nosso corpo torna-se um templo onde habita o Espírito Santo (1Cor 6:19). Quando temos relações sexuais fora do seu contexto apropriado, profanámos esse templo; desrespeitámos a Deus. Além do mais, estamos a objectificar a outra pessoa; tornámo-la um objecto na busca da nossa satisfação. Buscámo-nos a nós mesmos, os nossos próprios interesses, e os outros deixam de ser pessoas. Isso não é amor. Mas mais do que uma "falha legal", é uma prova da morte que trazemos em nós e que também semeamos, é prova que algo está errado com o nosso ser. O mundo à nossa volta diz-nos que não há pecado, para buscarmos o nosso próprio interesse. Acontece que esse interesse que o mundo nos oferece é morte. A única solução, a única cura, para a morte é a Vida que o nosso Senhor nos deu, através da sua paixão e a sua morte no madeiro.

Com aquele comentário estava mesmo na iminência de dar uma espécie de lição de moral do tipo "e isto é assim porque é e mais nada". Mas algo travou a minha língua. Veio-me à memoria a pessoa que em tempos fui; revi-me nos tempos de outrora nas opiniões e na posição dela. E pensei para comigo quanto o tempo e amor (com a ajuda da graça, naturalmente) realmente não ajuda a curar a pessoa, a ajudar-lhe a ver com olhos de ver; que não é a abundância de argumentos que converte um coração, mas sim o chamamento d'Aquele que o ama verdadeiramente e o ensina a amar.

2010/01/11

Oração

Hoje apenas quero partilhar com vocês algumas ideias que me foram surgindo ao longo destas últimas semanas, fruto de coisas que li e conversas que fui tendo. Se falar em coisas que já vos sejam bastante óbvios, peço desculpa; para mim é novidade.
A oração deve-nos unir a Deus; deve evoluir à medida que vamos crescendo em intimidade com Deus: de vocal para meditação para, finalmente, contemplação. Até aqui, nada de novo. Acontece que eu tinha ideia que esta última - meditação - era só para alguns, que estava reservado para os grandes místicos e contemplativos religiosos e que, portanto, não era para os demais. Era quase como que uma espécie de oração "opcional". E no entanto tenho vindo a compreender que é algo que não é só para alguns, mas para todos, independentemente do estado de vida. O chamamento que Deus nos faz, o convite para intimidade com Ele, passa necessariamente pela oração contemplativa. Fico com ideia que isto não é percebido pela maior parte das pessoas, e que associado a este desentendimento (se origem ou consequência, não sei, mas creio estarem correlacionados) está a diminuta presença de religiosos contemplativos no Ocidente.
Tendo em conta que considerava a contemplação algo "opcional", para mim toda a oração deveria ser expressa ou através de palavras, ou então de actos exteriores, ou então de uma mistura dos dois. Aprendi a rezar com a minha avó; lembro-me de ter dois anos e pouco e ela sentar-se comigo na cozinha ao pé da sua imagem de Nossa Senhora e dizer-me para repetir as Avé Marias e Pai Nossos que ela ia dizendo. Durante muitos anos isso era o que eu entendia como oração: oração vocal. Até mesmo depois de voltar a ter fé, a minha oração passava na generalidade por oração vocal embora tivesse consciência de que deveria ter uma componente de diálogo. Que se deveria ir simplificando, disso sabia, mas pensava que isso quisesse dizer menos palavras, menos ideias dispersas, petições do tipo "menos minha vontade, mais Vossa vontade", etc. Mas que um progressivo reconhecimento da presença de Deus no dia-a-dia fosse oração, não sabia; que os acontecimentos rotineiros da vida remetessem automaticamente para oração, desconhecia. Sussurros do divino nas coisas mais simples da nossa vida, e eu desconhecia-o. Mas mais ainda, desconhecia que as palavras deveriam acabar por desaparecer por completo. Que a oração se deveria tornar num único acto, que esse acto fosse algo holístico... Longe de mim, meu Deus, longe de mim! Como poderia eu algum dia conceber tal coisa? Para mim isso seria uma distracção no meio da oração, algo que eu procuraria calar, e no entanto não deverá a oração no final ser Vós a falar e nós a escutar?
De certa modo estes casos são o princípio de uma oração "profunda", de uma experiência mística cristã, mas que ao mesmo tempo não deixam fazer parte da experiência humana, algo "natural". Falei em tempos em ser preciso (re-)descobrir o sentido de Maravilha e ocorreu-me agora que talvez isto esteja relacionado com esse assunto. Creio que muitos de nós experimentámos estas formas de oração tão subtis, mas acabamos por não lhes dar a devida importância por não as reconhecer como tal. Ou talvez já o saibam e eu é que venho apanhar o comboio já com algum atraso. Perdoem-me se generalizo demasiado.
Gloria a Deus por todas as coisas!

2010/01/07

Nunc Dimittis

Já há cerca de um ano que digo as Completas à noite, antes de deitar. Faz parte das Completas o Cântico de Simeão, o Nunc Dimittis. Mas neste tempo todo, acho que ontém foi a primeira vez que Deus me falou através dessa oração.

«Agora, Senhor, segundo a Tua palavra, deixarás em ir paz o teu servo, porque os meus olhos viram a Salvação [...]» (Lc. 2, 29.30)
Quando acabei de dizer estas palavras ouvi no meu íntimo a pergunta "De facto consegues dizer estas palavras com confiança, com verdade? Se por acaso não acordares de manhã, poderás realmente chegar diante do Senhor de consciência tranquila e dizer que O vistes nesse dia, que O encontrastes nos outros?"
Não consegui responder...