2010/01/22

Conversas

Conversar com os amigos é sempre interessante. Quase sempre aprendemos qualquer coisa, e com um bocadinho de sorte esse "qualquer coisa" é algo sobre nós mesmos.

Durante o jantar ontem falava com uma amiga sobre como para se chegar a determinados objectivos "em nome da liberdade" se minou o conceito de família e casamento de forma incremental. Incrementalismo é insidioso; como o próprio nome indica, são dados passos tão pequenos em terminado rumo que eles parecem desconexos até que ,quando finalmente chegamos ao objectivo, admiramo-nos como é que lá se chegou. Mas enfim, divago. Como dizia, falávamos sobre como se minou a instituição familiar. Abordou-se o acesso facilitado: primeiro ao divorcio, depois aos contraceptivos, depois ao aborto, e por aí fora.
Mas a conversa teve uma paragem abrupta quando mencionei o acesso facilitado aos contraceptivos. "Espera aí; eu estou a compreender bem?! Tu és contra isso?!" Foi mais ou menos algo nesta veia que eu ouvi. Que impedir o aparecimento natural de crianças é talvez grave, sim, nesse aspecto os contraceptivos são maus, admitiu a minha amiga; mas e em relação à prevenção das temíveis DSTs? Estaria eu disposto a defender uma ideia a ponto de deixar pessoas serem infectadas?!
Eu cada vez mais vou subscrevendo à ideia semítica de que o nome de uma coisa diz bastante sobre ela mesma, que nos diz qualquer coisa sobre a sua natureza. Ora contraceptivo quer dizer "contra a concepção". Ponto. Não vejo nesse nome mais nada que indique que seja função primária desses engenhos impedirem a transmissão de DSTs (até porque nem todos os fazem; veja-se o exemplo da pílula). Isso é algo que vem por acréscimo; um "efeito secundário", por assim dizer. Os contraceptivos têm como função primária impedir a gravidez - esse efeito nefasto e inconveniente das relações sexuais - incentivando assim a promiscuidade. "Mas diz que uma pessoa que nem seja promiscua uma noite saia e depois se acabe envolvendo com outra que não conheça. Aí já dá jeito, para prevenir." Bem, por onde começar? Para já, envolver-se sexualmente com desconhecidos faz parte da própria definição de promiscuidade; mas suponho que isso sejam picuinhices semânticas... Também o facto do aumento da promiscuidade estar correlacionado com a mutação de algumas DSTs é algo a ter em conta. Veja-se o caso do VPH, que depois origina o cancro cervical: segundo os estudiosos na matéria, este virus tem se tornado mais agressivo devido a mutações que têm vindo a sofrer, "curiosamente", desde da "revolução sexual".

São argumentos válidos, mas não era propriamente por aí que eu queria ir; não são necessariamente argumentos confessionais, embora possam eventualmente ser englobados nesse conjunto. Não, queria ver isto dum ponto de vista Cristão, já que é isso que eu e a minha amiga professámos ser. Alguém poderá dizer "a Igreja diz que não e tu vais atrás". Ora, estando em comunhão com a Igreja, devo estar em acordo com a sua doutrina (neste caso moral); é próprio do estar em comunhão. Mas mesmo sendo porque faz parte do ensinamento doutrinal, não é unicamente por causa disso. É algo mais fundo, que toca no âmago do ser-se Cristão. É uma questão de amor a Deus, mesmo que a pessoa ame tão imperfeitamente.
Amando a Deus, a pessoa deseja cumprir a vontade d'Aquele que ama. E essa vontade exprime-se amando e respeitando tanto a nós mesmos como os outros. Creio que muitos de nós nos esquecemos que o nosso corpo não nos pertence; ele não é um parque de diversões cujo único fim serve para nos dar prazer. A partir de momento do baptismo ele pertence a Deus; foi resgatado por um preço inimaginável; o nosso corpo torna-se um templo onde habita o Espírito Santo (1Cor 6:19). Quando temos relações sexuais fora do seu contexto apropriado, profanámos esse templo; desrespeitámos a Deus. Além do mais, estamos a objectificar a outra pessoa; tornámo-la um objecto na busca da nossa satisfação. Buscámo-nos a nós mesmos, os nossos próprios interesses, e os outros deixam de ser pessoas. Isso não é amor. Mas mais do que uma "falha legal", é uma prova da morte que trazemos em nós e que também semeamos, é prova que algo está errado com o nosso ser. O mundo à nossa volta diz-nos que não há pecado, para buscarmos o nosso próprio interesse. Acontece que esse interesse que o mundo nos oferece é morte. A única solução, a única cura, para a morte é a Vida que o nosso Senhor nos deu, através da sua paixão e a sua morte no madeiro.

Com aquele comentário estava mesmo na iminência de dar uma espécie de lição de moral do tipo "e isto é assim porque é e mais nada". Mas algo travou a minha língua. Veio-me à memoria a pessoa que em tempos fui; revi-me nos tempos de outrora nas opiniões e na posição dela. E pensei para comigo quanto o tempo e amor (com a ajuda da graça, naturalmente) realmente não ajuda a curar a pessoa, a ajudar-lhe a ver com olhos de ver; que não é a abundância de argumentos que converte um coração, mas sim o chamamento d'Aquele que o ama verdadeiramente e o ensina a amar.

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