2009/01/21

Aquele homem

Era uma Quarta-feira como qualquer outra. Depois do almoço, lá fui eu de autocarro até NYC. Li as poucas páginas que faltavam de outro livro que andava a ler sobre S. Francisco, adormeci e acordei quase à entrada do túnel Lincoln (esta sesta de 40 minutos é obrigatória :-D). Gosto de ver a cidade ainda do outro lado do rio; é uma visão que nunca me deixa de espantar.

Saí do autocarro e fui tomar o café e bolo de maçã da praxe num café ainda dentro do terminal. Tento-me sentar sempre à janela, para poder ver as pessoas que passam. Tantas caras diferentes, tanta gente a ir e a vir. Para onde vão, donde vêm, qual a sua história, quais os seus sonhos e preocupações; em suma: quem são? Todas estas coisas me passam pela cabeça. Volta e meia os olhares se cruzam, mas apenas por uma fracção de segundo. Será que a mesma coisa passa pelas suas cabeças?

Saíndo do terminal, fiz o percurso habitual até à igreja, para a aula de preparação para o Crisma. São ainda uns quantos quarteirões; penso que demora uns 15 minutos ainda a chegar lá. Passo junto ao Times Square e aquela publicidade e luz toda continua a ainda me fazer confusão à cabeça. Para não pensar no frio que estava o meu olhar ia vagueando pelos prédios e toda a paisagem em redor. Apercebi-me que haveria muita gente que gostaria de ali estar naquele momento, seja por qual motivo que fosse. E mesmo estando ali, que muitos gostariam de estar legais, sem se terem de preocupar com mais isso. E fez-se luz quanto ao poder estar ali, e poder ir e vir sem me preocupar sobre se estava legal ou não, e de talvez tomar esses detalhes como garantidos e não dignos de menção. Houve aqui oportunidade para uma oração de agradecimento...

Se há coisa que infelizmente não falta pelas ruas da cidade é sem-abrigos e pessoas a mendigar. Enquanto andava vi uns quantos, mas a minha bolsa não se abriu para os ajudar. Tenho por hábito não dar dinheiro a pessoas que estejam a mendigar. Se isso é bom ou mau, não sei. Talvez seja fruto dos anos que vão passando e de ver pessoas a mendigar que não precisam, ou então que o preferem fazer em vez de arranjar trabalho, ou que então gastam o dinheiro em vícios. Bens materiais ou comida dou, mas raramente dinheiro. E é o que vou contar a seguir que fez esta 4ª diferente das demais.
Estava já a uns dois quartierões do meu destino quando me cruzei com mais um sujeito a pedir. Vi-o ao longe e reparei como a multidão ia passando sem olhar enquanto pedia ajuda. Ao aproximar-me reparei que tinha um pequeno bilhete com qualquer coisa escrita, do qual apenas li as palavras "mulher" e "filhos". Vendo isso, fui cínico e pensei "outro com a mesma história, a vender banha da cobra talvez". Ele continuava a insistir "por favor... por favor", andando de um lado para o outro. Quando nos cruzamos, os nossos olhares cruzaram por um breve instante e ele ficou a olhar enquanto eu me afastei. Continuei no meu caminho, sem olhar para trás quando me pareceu que ele tinha começado a falar mais alto, a dizer "por favor, ajuda-me". Teria ele notado que eu olhei para ele e que depois me tentasse chamar a atenção? Seria mesmo "ajuda-me" que ele estava a dizer ou "ajudem-me" ("Please help" dá para ambos os casos). Ou seria apenas a minha imaginação? Não sei qual dos dois foi, mas sei que ao chegar ao fim desse quarteirão parei. Não consegui atravessar a rua. De repente notei o peso da Biblia que trazia no meu bolso e uma voz dentro de mim falou. "Vais tu falar de Deus daqui a nada e fazes uma coisa destas? Apenas dizes «Senhor, Senhor»? Ainda repliquei "Sei lá qual o destino que esse homem dará ao dinheiro se eu lho der. Pode muito bem estar a mentir e não ter necessidade. Ou pode usá-lo para algum vício que tenha." "Então tu sabes o que vai no coração dos homens, consegue-lo sondar?", retorquiu a voz.
Dei por mim a voltar atras, até ao meio do quarteirão onde me tinha cruzado com aquele homem, a pedir a Deus que o dinheiro tivesse bom destino, e caso não que me perdoasse pelo mal que daí adviesse. Deparei-me então diante daquele homem. Ele olhou para mim. Entreguei-lhe o que tinha a dar na mão. Ele apertou-me a mão e abençoou-me...

1 comment:

erute said...

Muito raramente dou dinheiro, pelos mesmos motivos que tu... Mas muitos são os momentos que tenho com os meus pensamentos/sentimentos que tu.

Obrigada por hoje teres feito a diferença.

Beijos