2009/08/09

Extreme Pilgrim

Há alguns meses atrás vi o último episódio de um documentário tripartido da BBC que se chama Extreme Pilgrim. Esse episódio intrigou-me e acabei por ver as dua iniciais. Digámos que o documentário deu bastante que remoer.
O "apresentador" era um reverendo anglicano, de uma paróquia na Inglaterra. Em cada episódio o reverendo visitou uma tradição "extrema" de determinadas religiões: 1º) Monges budistas na China; 2º) Sahdus hindus na India; 3º) Monges e ermitões cristãos no Egipto. A premissa por detrás do programa era a seguinte: O reverendo dizia que na Inglaterra tinha-se perdido a espiritualidade, o contacto íntimo com Deus, de modo que ele ia tentar procurá-lo noutras religiões, nas suas tradições mais extremas. Segundo ele, tinha que as experimentar para descobrir a sua verdade.
Com os monges budistas, o reverendo queria encontrar a paz interior que se diz que o Zen proporciona. Através do kung fu, após o que creio que foi um mês, ele disse que tinha chegado a uma espécie de "vazio interior" – qualquer coisa como uma “não-existência” - da qual sentia uma grande paz. Na India juntou-se aos homens sagrados - os Sahdus - para encontrar a dita "auto-iluminação". Depois de ter sido iniciado nessa tradição do Hinduismo (e de se ter espantado do Hinduismo ser tão hierarquico), foi deixado numa gruta numa vila nos sopés das Himalaias. Pensava que lá estaria em silêncio, para se sentir uno com a criação, mas admirou-se com o quanto era esperado de si pelos aldeões da vila, de como o viam como um lider espiritual. Questionou-se se deveria ser esse o seu papel na sua paróquia, enquanto reverendo na Igreja da Inglaterra, mas não adiantou muito essa linha de pensamento por "não estar com paciência para isso". Entretanto adoeceu e não pôde continuar esta étapa. Por último, foi passar um mês sozinho numa gruta no deserto do Egípto, perto do mosteiro Cristão mais velho do mundo, fundado pelo Santo António do Deserto. Curiosamente, a sua própria tradição Cristã foi a que mais o “revoltou”. Dedicou o tempo durante esse mês que passou em isolamento na gruta à oração, a meditar [uma meditação diferente do que praticou nos episódios anteriores; talvez a nossa contemplação seja mais semelhante a essas] sobre a sua vida, e nota-se visivelmente que isso o afectou, pois as marcas ficaram-lhe aparentes na cara. Ao longo das semanas o reverendo revoltou-se com o facto de haver pecado, de termos de viver para Deus, da vida ser uma batalha constante com os demónios que nos tentam fazer perder o caminho da salvação. Mas, no fim, ele compreendeu (ou pelo menos pareceu vir a compreender) o valor do silêncio do deserto, e a paz que daí poderá advir.

Comentários:
Não vou deixar de negar que acho bastante estranho um reverendo, um líder espiritual de um igreja, tentar procurar uma vida espiritual fora da sua própria religião. Leva-me a questionar: será que ele realmente percebe a sua própria fé? Será mais um sinal do relativismo que infelizmente abunda no mundo nos dias de hoje, que se infiltra mesmo na própria religião, tentando as pôr todas ao mesmo nível? Se acreditas – se realmente acreditas - que Deus se fez homem para salvar o Homem, porque procurar em outros lugares a Verdade, quando se sabe que nesses lugares ela poderá ser incompleta ou praticamente inexistente? E quem viu este documentário, qual é a mensagem que ele lhe transmite? Seria que os produtores estavam de facto a tentar passar uma mensagem relativista?
A própria premissa de que ele tinha de as experimentar para testar a sua verdade levou-me a questionar: será que o reverendo acha que somos os arbitros finais da Verdade, que a nossa experiência pessoal e subjectiva é o suficiente para determinar o que é Verdade e não é, e que ela não existe fora de nós?
Às vezes ficava com a ideia de que o apresentador estava perdido, de que nem ele próprio sabia o que andava em busca. Parecia sentir-se mais à vontade nas duas primeiras tradições, onde tudo era fruto do trabalho do homem, sem intervenção divina (e até chegou a comentar uma vez que o Zen fazia mais sentido pois não se tem que recorrer a Deus e podemos tomar os louros pelo esforço), do que na sua própria tradição. Aliás, ele parecia nem conhecer a sua própria tradição, pois ainda comenta várias vezes que “não gosta desta teologia em que se está em guerra com as paixões e com demónios”.


As três tradições falam-nos de esvaziamento. Mas, em meu entender, o esvaziamento Cristão – o kenosis – é algo muito diferente do esvaziamento proposto pelo Budismo e pelo Hinduismo dos Sadhus. Enquanto que o esvaziamento proposto por este últimos visa a “dissolução do ser” até se unir/confundir com a criação – um esvaziamento que não oferece nada para preencher novamente - não é isso que o kenosis nos oferece. De facto, o kenosis não é um esvaziamento total, mas um esvaziamento do pecado que existe em nós, dos nossos apetites e afins. Esvaziando-nos deste “recheio”, mais facilmente Deus nos poderá preencher, e nós fazermos depois a Sua vontade: em suma, para nos divinisarmos (theosis). Não perdemos a nossa unicidade. É um esvaziamento de morte para sermos preenchidos com Vida. Nos outros conceitos de esvaziamento, quer-me parecer que isso não é o caso. Esta procura de fusão com a criação, com a “dissolução do ser”, parece-me mórbida; parece-me revelar uma insatisfação mórbida com o nosso próprio ser, pois procura-se anulá-lo para corrigir essa sensação (que é mais que uma sensação; é a realidade do Pecado) de que algo está mal com o Homem.
E talvez seja por isso que estas religiões orientais sejam tão atractivas para o Homem Ocidental actual. Vivemos numa sociedade que rompeu a sua ligação com o passado, que se deixou ir na onda do relativismo moral, que vive apenas para o prazer momentâneo, que deu origem a filosofias nihilistas, que não vê um sentido último para a vida. Há um imenso mau estar, e isso nota-se no que se passa à nossa volta. Quando não se vê sentido nenhum para a vida, acho que é apenas lógico que o passo seguinte seja desejar deixar de existir. E daí o atractivo deste esvaziamento.

Vivemos numa sociedade moribunda. Como Cristãos, temos o dever e a obrigação de lhe levar a Vida da Cruz.

Deixo-vos aqui o último episódio do documentário, para quem tenha curiosidade. Vale a pena ver.

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