2009/08/18

Problemas de identidade

É difícil viver como Cristão no mundo de hoje (pelo menos no mundo Ocidental de hoje). Não que alguma veja tenha sido fácil, mas penso que nestes últimos tempos seja particularemente mais difícil que em outros períodos. Às vezes chego a imaginar se os nossos dias não são mais próximos do mundo em que Cristo viveu e em que a Sua palavra começou a ser difundida através do seu Corpo. No entanto, existem mais Cristãos agora que nesses primórdios (pelo menos de forma quantitativa, se não qualitativa).
Como é que um Cristão persevera no mundo actual, quando o mundo à sua volta se tornou tão hóstil, mesmo que de forma súbtil, à sua maneira de ser? Como é que se sobrevive às agressões, ao desgaste, e a mil e uma provações, no meio disto tudo? Como sobrevive num mundo onde não há sinais familiares, onde não se reconheça a si mesmo, onde não tenha uma identidade?
Perseverar na oração, fé em Deus, etc., dirão alguns. E é verdade que isto são os meios, mas creio que é uma visão parcial do problema. É uma visão individualista. O Cristianismo não é apenas um "binómio": Deus e eu; é um "trinómio": Deus, eu, e o outro. Eu, por mim só, não formo o Corpo Místico de Cristo - todo ele é constituído pelos outros membros, por vários "outros". Não são só as minha orações que me sustêm, mas as orações dos outros - tanto da Igreja Triunfante como da Igreja Militante. Todos nós ajudamos-nos a suster mutuamente porque somos um só Corpo, o Corpo daqu'Ele que nos sustem em Vida.
Apesar de pertencer a um Corpo, às vezes sinto-me como um membro amputado. Não sinto aquela sensação de comunidade, de comunhão, com os meus irmãos e com as minhas irmãs em Cristo. Sendo (de certo modo) um elemento isolado, sinto com maior facilidade as visicitudes de viver no mundo enquanto tento não ser dele. Muito dificilmente encontro o apoio e o reforço que vem da vida em comunhão com os que têm uma identidade comum. Qual é a identidade de um Cristão? Não será Cristo? Não somos suposto ser um icone da Palavra de Deus, do Filho muito amado? E no entanto olho à volta e vejo uma identidade estilhaçada, onde cada um a tenta definir conforme a sua vontade. Isto parece-me diabólico, no sentido literal da palavra - os membros dividindo-se, separando-se um dos outros, em vez de manter a união. Talvez não seja só diabólico em sentido literal...
Somos um só Corpo, uma só Igreja. Mas cada igreja deve ser um icone da Igreja única. Na paróquia mais pequena devemos conseguir encontrar todo o rebanho, espalhado por toda a terra. Existe união nas nossas paróquias, existe verdadeira comunhão? Em suma: existe vida nas nossas paróquias? Não consigo responder a esta pergunta. Só posso dizer que reconheço o problema porque faço parte desse problema. Não pertenço a nenhuma paróquia em específico (durante a semana vou à Missa a duas paróquias diferentes dentro da mesma cidade, e ao Domingo vou a outra noutra cidade); sou uma ovelha que vagueia. Não participo na vida das paróquias que frequento (se é que ele chega a existir), não chego a criar laços nem a envolver-me com os demais (pelo menos não na minha cidade). E porquê? A explicação - e é isto de que se trata, um explicação e não uma justificação - é bastante simples: ortodoxia. Tenho dificuldade em encontrar pastores que se "limitem" a dar ao seu rebanho aquilo que lhes foi entregue, sem o adulterar, sem o adoçar, sem o maquilhar, ou até às vezes sem o alterar. A eles foi encumbido a missão de transmitir a Vida; por meio deles a Vida deve chegar até nós e ser cultivada. Será por isso que não há vida nas paróquias? Porque os pastores deixaram de a transmitir? Saliento aqui que por vida nas paróquias não quero dizer vivacidade no sentido superficial, mas algo que vai mais fundo. Reconheço o problema, assim como a minha responsabilidade nesse problema. O que estou a fazer para o resolver?

Mas consta que não é assim pelo resto do mundo, pelo menos não de forma tão agravada. Falando com Cristãos de outros países onde eles são uma minoria, eles dão testemunho de uma maior entreajuda, de um maior sentido de pertença, de uma vida mais cheia do Espírito. Será porque vivem, de certa forma, sobre ameaça constante que existe esta comunhão mais perfeita relativamente à nossa do mundo Ocidental? Têm uma identidade comum; têm uma Tradição com a qual não cortaram abruptamente, que os liga ao passado, guiando-os para o que há-de vir, guiando-os para Cristo. Não será isso que nos falta a nós? Diz o adágio "não se sabe para onde se vai se não se sabe de onde se veio", e cada vez mais acredito que isto seja verdade, em todos os aspectos das nossas vidas.

Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende misericórdia de nós e salvai-nos.

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