2009/03/30

Divagações

Às vezes quando olho para o espelho, procuro uma cara conhecida. Porque nos olhos que vejo reflectidos no espelho, por detrás deles vejo uma criança. Tenho já 27, caminhando para os 28. E não obstante os cabelos brancos que já vão povoando a cabeleira que se vai fazendo esparsa, e as linhas que, mais que o tempo, as alegrias e as tristezas vão esculpindo no meu rosto, é uma criança que vejo a retribuir o olhar do outro lado o espelho. Essa criança ainda olha para o mundo à sua volta e tenta contrariar o cínico que convive com ela. Essa criança ainda consegue encontrar alegria e maravilhar-se em coisas sem sentido: ver um céu azul com as nuvens flutuando lentamente; com o vento a bater-lhe na cara; com o cantar dos pássaros; com a natureza em flor... Ainda acha que ouvir/ler uma boa história é das coisas mais maravilhosas que pode existir. Ainda considera que uma tarde de não fazer nada de jeito com um amigo é uma tarde bem gasta. Acredita que estar com alguém em silêncio, sem que ele seja incómodo, é um sinal de entendimento. Acredita que os amigos são família.

Essa criança olha para o mundo à sua volta e pergunta-se porque continua tão infantíl, porque continua a sonhar. Vê os seus amigos, cada qual com as suas vidas, com os seus trabalhos e suas preocupações, com as suas responsabilidades, e questiona-se quando irá amadurecer. Os anos foram-se passando, mas a criança não cresceu, e sente-se tão pequena e ignorante como quando tinha 5 anos. O mundo continua-lhe a parecer tão grande, e ao mesmo tempo tão pequeno.

Mas, contudo, é essa criança que volta e meio vislumbro que me leva até à fonte donde brota a esperança nos dias mais difíceis. Porque apesar das sua insignificânica, da sua pequenêz, ela ainda crê em histórias de encantar. E de todas as histórias de encantar em que crê, aquela em que mais crê é a mais fantástica de todas. E porque é a mais fantástica e impossível de todas, é a mais real, a mais verdadeira. Quando o cínico e o racionalista já nada podem e desistem, a criança continua firme porque acredita no aparentemente absurdo, no aparentemente paradoxal: que Deus tanto amou o Homem que por ele incarnou e por ele deu a sua vida.

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