2008/10/26

"É bom estarmos aqui"

Ontém lá parti à aventura. Acordei bem cedo para apanhar o autocarro que me levaria até NYC, dado que a viagem demora cerca de uma hora. Acabei por apanhá-lo meia hora mais cedo do que esperava, o que foi uma bênção, pois chegado à cidade acabei por me perder! Um percurso que deveria demorar 15 minutos a pé transformou-se numa caminhada de uma hora: tinha o mapa de pernas para o ar...Mas lá cheguei, mesmo a tempo da missa das 11. E embora tenho ido lá propositadamente para falar com o padre dessa paróquia por causa de direcção espiritual, não foi o encontro que sobressaiu da visita. Não que algo tenha "corrido mal", longe disso - até foi muito semelhante à primeira reunião que tive quando comecei o meu discernimento ainda em Portugal - mas a missa acabou por eclipsar o resto do dia. Dos conselhos dados na reunião ficou o de "continuar a fazer o que tenho andado a fazer, a viver o dia-a-dia, que Deus vai revelando a sua vontade no quotidiano".A primeira visão que se tem ao chegar à porta principal da igreja é do sacrário. Gostei desse pormenor: sem nada a obstruir a linha de vista, mal entrámos deparámo-nos logo com o Senhor. Ajuda a relembrar que esta é a casa d'Ele por exclência e porque é que estámos ali. As paredes laterais têm as estações da cruz com dizeres junto a algumas das imagens. Existem dois confissionários, situados em pontos opostos da igreja; junto a cada confissionário há uma imagem de um santo (não tive oportunidade de ver quais são), e aos pés da imagem da parede lateral direita há um local onde se pode alumiar velas. Existem dois corredores de bancos, posicionados de cada lado da porta princípal. A parede que dá acesso ao altar está repleta de pinturas, sendo que as colunas estão cobertas de ícones; a parede atrás do altar tem um ícone em toda a altura de Cristo Pantocrator, ao lado do qual duas enormes colunas de mármore rosa ajudam a segurar o tecto. O altar está sob um dossel. Existe ainda um pequeno púlpito do lado esquerdo, um pouco antes do altar, mas atrás do pequeno corrimão que divide a zona do altar da zona dos fieis. Há também um orgão por cima da entrada da igreja, e vitrais no cimo das paredes laterais. O tecto está bastante elevado, talvez uns 7 ou 8 metros.

Agora, à missa propriamente dita. A missa foi toda cantada. E quando digo toda, quer mesmo dizer toda (fora a homilia). O coro ia cantando as preces em latim, volta e meia o orgão acompanhava (fazendo a estrutura estremecer), e as leituras foram cantadas em canto gregoriano. Senti-me muito pequeno, muito consciente da minha humilde existência (no bom sentido). Só me tinha sentido assim uma vez numa missa há muito tempo atrás, e pensei nunca mais vir a experimentar essa sensação.

A homilia também foi bastante boa. O padre falou sobre amor. Nós que somos cristãos, que dizemos que Deus é amor, que devemo-nos amar uns aos outros assim como nos amamos a nós mesmo, e amar a Deus acima de tudo, sabemos de que amor estamos a falar? Dado que a nossa palavra "amor" engloba tantos tipos diferentes de amor, às vezes é como Sto. Agostinho diz a respeito do tempo: "Não me perguntem o que é e saberei o que é; perguntem-me, e não saberei dizer". Deu para tirar bastante fruto ao longo da tarde.
Pode-se dizer que o amor cirstão é algo que tem a sua origem em Deus (já que Ele é amor), que tem de ser aceite (envolve o nosso livre arbítrio), logo também involve o nosso intelecto pois precisamos perceber o que estamos a aceitar (o que exclui que seja apenas um amor sentimental, uma emoção), e é uma constante (não podemos amar aos Domingos e não amar nos dias seguintes). Porquê então amar a Deus acima de tudo? Porque Ele a fonte do Bom, do Belo, da Verdade. Porque ao irmos percebendo cada vez mais o seu amor, percebmos o quanto Lhe devemos. E o que dizer do "amar os outros como amamos a nós mesmos"? Devemo-nos amar a nós mesmo porque reconhecemos que somos feitos à semelhança de Deus na nossa capacidade para amar. Penso que se pode dizer que é uma forma indirecta de amar a Deus. Mas este amor próprio não nos deve fechar sobre nós mesmos; deve-nos abrir para os outros. E amando os outros como a nós mesmos, reconhecemos neles a mão do Criador. Só as relações que tenham em conta este amor, esta presença dívina por assim dizer, são estáveis, só elas é que perduram. Porque Deus é o bem mais alto, Ele deve ser a fundação de tudo. É por ser o mais alto que Ele se fez homem e veio ao mundo, para servir e nos mostrar o caminho até Ele. Sendo Deus trintitário não é de estranhar que para nós aprendermos o que é amor necessitemos de três pessoas: Deus, Eu, e o Outro.Acho que muitos de nós confundimos este amor com o do tipo sentimental, que vai e vem. Eu sei que confundia. E talvéz este seja um dos problemas com os casamentos hoje em dia, agora que casamos "por amor". Quantas vezes não confundimos a paixão com o amor. Tempos depois a paixão extingue-se, dizemos que já não há aquela chama inicial, e concluímos logo que o amor não existe. Ás vezes tenta-se recuperar esse fogo inicial e quando falha cada um segue o seu caminho. Mas é precisamente quando a paixão se começa a esgotar que a semente do amor começa a florescer. Já não estamos cegos pela paixão e começamos a ver a pessoa por quem ela realmente é. Descobrimos os seus vícios e virtudes. E é aqui que entra o amor. Temos de aprender a amar. Havendo amor, aceita-se a pessoa tal e qual como ela é, assim como ela nos aceita a nós. Juntos reconhecemos que ambos somos criaturas incompletas, e ajudamo-nos um ao outro a crescer, a descobrir o verdadeiro sentido de amar. E assim vamos caminhando em direcção a Deus.

É caso para perguntarmo-nos: "alguma vez realemente amei alguem?" É um exercício curioso, olharmos para o passado e tentarmos descobrir se realmente alguma vez chegamos a amar alguém. Porque nunca amamos realmente, dispensamos com muita facilidade as palavras "Amo-te". Se realmente tivermos amado então saberemos o poder dessas palavras, e o quão assustadoras são, pois saberemos as suas implicações. Então talvéz não as diremos tantas vezes, mas quando as dissermos, será com convicção.

E assim foi o dia: um dia cheio. E não pude deixar de sair da igreja sem repetir a mim mesmo a frase que estava inscrita na parede sobre o altar: "É BOM ESTARMOS AQUI" (Mt 17,4).

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