2008/10/20

"Vem e segue-me"

Quando é que tudo começou? Quando é que senti que o Senhor me chamava, que me pedia para O seguir e me dedicar inteiramente a Ele?

Andei muitos anos desligado de Deus e da sua Igreja. Fí-lo porque pensava que sabia tudo na altura, e na realidade não sabia nada. Não sabia nessa altura o que significava ser Católico, e quais as implicações de o ser. Então procurei respostas noutras religiões, na ciência, na filosofia: sempre que pensava ter finalmente encontrado as respostas que procurava, algo falhava. A inquietação interior continuava apesar de tudo. Chegou ao ponto de eu deixar de acreditar em qualquer coisa que fosse superior e exterior ao Homem.

Mas nem sempre o Sol nos sorri, nem o tempo é ameno. Muitas vezes surgem tormentas, especialmente quando menos esperamos. E como não pôde deixar de ser, a casa que estava fundada sobre a areia desmoronou-se "e grande foi a sua ruína" (Mat. 7,27). Mas apesar de eu ter virado as minhas costas a Deus, o Senhor jamais se esqueceu de mim. Nesse instante dei por mim a ajoelhar-me no meu quarto e, enquanto as lágrimas me escoriam pela cara abaixo, a dizer: "Senhor, ajuda-me! Sinto o peso dos pecados a sufocar-me e sei que sem Ti nada posso, que sem Ti nada faz sentido. Tem piedade de mim, que sou um pecador." O que me levou a proferir essas palavras? Não sei, como também não sei explicar o que aconteceu depois. Apenas sei que uma paz enorme se apoderou de mim. Agradeci ao Senhor por me ter escutado, deitei-me e dormi como há muito não dormia.
Quiçá, talvez todos esses caminhos travessos por onde andei errando, todo esse sofrimento pelo qual passei, Deus o tenha permitido para que eu O voltasse a encontrar (ou melhor, que finalmente encontrasse o caminho para Ele). Muitas vezes perguntamos a Deus como é que é possível Ele nos deixar sofrer se nos ama. A verdade é que os seus caminhos não são os nossos caminhos (Is. 55,8). Mas nestes casos gosto da seguinte metáfora: um pai tem de levar o filho ao dentista. Enquanto o filho é tratado pelo dentista, chora de dor e/ou de medo, olhando para o pai como quem pergunta "Porquê? Porque estando aí me deixas sofrer assim se dizes que me amas?" Mas o pai não deixa o filho sofrer porque tira prazer de o ver assim ou porque quer castigá-lo. O pai comove-se, compadace-se. Mas deixa-o sofrer porque sabe que no final o seu filho será tratado e sairá são.
Lembro-me que nos dias seguintes fui continuando a sentir aquela paz interior e num momento de alegria, sem saber bem o que estava a dizer, disse "Sim" ao Senhor. Naquele momento agradeci a Deus por me voltar a acolher e reconhecendo que a minha vida é um dom d'Ele, entreguei-Lha novamente, para que Ele se servisse dela conforme entendesse.

E o tempo foi passando e a oferta foi esquecida.


Saltemos no tempo, para um passado não muito longínquo, para o retiro que fiz no final do ano passado na Gafanha da Nazaré. Três dias de silêncio. Não sabia muito bem porque lá tinha ido. Sei que sentia necessidade de tirar tempo e realmente agradecer a Deus pela vida nova (coisa que a lufa-lufa do dia-a-dia não me permitia) que encontrei em Cristo. Senti-O muito próximo de mim nesses dias (lembro de descrever a uma amiga a sensação: era como se sentisse que alguém me sorria).

Poucas semanas depois surgiu uma pergunta dentro de mim. Ouvi uma voz muito suave dizendo "E porque não? Porque não uma vida dedicada a Deus, totalmente consagrada a Ele, e levando a alegria que Ele te dá aos outros?" Loucura! Eu, seguir uma vida religiosa?! Nem pensar! Era a última coisa que eu queria. Afinal, eu queria era casar e ter filhos, ter uma casa virada para o Mediterrâneo onde depois pudesse passar a minha velhice cultivando a terra e recebendo a família. Nunca tal coisa - "ser padre" - me tinha passado pela cabeça. E afinal, não tinham eles uma vida infeliz e só (ah, ignorância!)? Não, isso não era para mim. Além do mais, dizia a mim mesmo que isto devia ser resquícios ainda do retiro, que com tempo passava.
Mas não passou. A voz continuava, e quanto mais eu dizia "Não", mais ela perguntava "Porquê?" Chegou a um ponto que finalmente disse a mim mesmo: já que sempre que digo não isto insiste ainda mais, não vou dizer que não. Mas também não digo que sim. Deixo estar e logo se vê o que acontece.

O tempo foi passando, e eu continuando a tentar aprofundar a minha fé, tentando aprender como me converter cada vez mais para o Senhor. E com isto a vida religiosa já não me parecia tão medonha. Aos poucos comecei a ver que era uma vida tão completa (ou até mais) do que a com que eu sonhava. Mas pensei "quem sou eu para levar tal vida? Não sou digno de servir o Senhor; Ele não me chamaria. Portanto, não pode ser Ele que me chama, daí não poder responder 'sim'"

Foi aí que me lembrei de uma oferta há muito tempo atrás, um "sim" dado às cegas, sem saber muito bem a quê. "Ponho-me ao Teu dispor". Sim, foi isso que disse, mesmo que jamais me tivesse passado pela cabeça nessa altura alguma coisa semelhante a esta. Foi aí que renovei o meu sim, desta vez consciente do que estava a oferecer.

Mais há a contar, mas fica para outra altura. A noite vai longa e o sono vai-se fazendo sentir.



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