2008/11/18

Sentir em casa

Hoje particularmente, devido a certas circunstâncias dos últimos dias, vieram-me bastantes vezes à memoria os dias que passei em Espanha com os Discípulos dos Corações de Jesus e Maria. Lembro-me de estar na estação velha de Coimbra, à meia-noite, à espera do comboio que me levaria até Madrid, e as coisas que me passaram pela cabeça. "O que estou eu a fazer? Vou para um lugar onde não conheço ninguém, onde mal sei a língua. Isto é uma loucura. Não será isto tudo fruto da minha imaginação? Ainda vou a tempo de desistir." Sim, ainda me ocorreu desistir antes de começar. Mas lembrei-me do que me disse a minha amiga Rute nesse dia: "Vai e confia. Acontecerá o que tiver de acontecer." Confiar. Era uma palavra que surgia com bastante frequência em resposta às minhas perguntas nas orações. Já no mini-campo de trabalho dos Leigos, quando me deparei com o facto de termos de lidar com mulheres com deficiência mental (algo que me custava bastante a aceitar) só me restou confiar em Deus, que Ele me haveria de ajudar a aprender a superar essa dificuldade. E ajudou, mas isso fica para outra altura.E lá entrei para o comboio, meio temoroso mas confiante que Deus me haveria de mostrar o caminho. Chegado à estação de Chamartín encontrei Carlos e Juan, dois dos Discípulos. Notei que apesar de não os conhecer, não tive a dificuldade habitual de iniciar conversa com desconhecidos. Quando chegamos à casa experimentei uma sensação que nunca tinha tido, e que desde então não voltei a ter. Senti como se tivesse chegado a casa. Apesar de estar rodeado de estranhos senti como se estivesse entre familia. Naquela semana não houve necessidade de máscaras; naquela semana dei a conhecer todo de mim aos outros logo desde o início.
Tanta gente de idades e personalidades tão diferentes, mas todos unidos sob o mesmo tecto, unidos pelo mesmo - por amor a Cristo. A semana foi bastante agitada, devido ao facto dos Discípulos estarem a preparar os acampamentos de jovens e também o facto do Jaime ser ordenado padre nessa semana. Apesar de muito trabalho, tanto na casa de Madrid como em Villaescusa, sempre se arranjava tempo para oração. Aliás, aprendia-se a fazer de cada momento, cada gesto, uma oração. Oração em comunidade como em particular; havia bastante de ambos. O dia começava com a liturgia das horas e missa antes do pequeno almoço. e terminava com a liturgia das horas. O dia era estruturado para que se tivesse sempre a presença do Senhor em conta: às refeições, quando se saía de casa, quando se viajava, etc. Aprendi a ter um carinho especial pela nossa Mãe do Céu Maria que até então desconhecia.
Mas o que mais me ficou dessa semana foi a sensação de realmente ter vivido. Pela primeira vez na vida senti que realmente estava a viver o momento. Centrado em Deus, uma pessoa não se preocupava com o que estava para trás assim como também com o estava para a frente. Confiava-se no que Deus haveria de dispor. Só o dia presente é que contava, só aquilo que Deus lhe tinha dado para fazer nesse dia era essencial. E vivendo desta maneira, conseguia-se dar o máximo de si mesmo, conseguia-se realmente disponibilizar para os outros, e um dia já não eram só 24 horas, mas algo muito mais...
Pergunto-me se será sempre assim o dia-a-dia de um religioso, se é sempre assim tão cheio da presença de Deus. Se é, é uma experiência maravilhosa.

Vim de Madrid com a sensação de finalmente saber a que o Senhor me chama nesta vida. Pela primeira vez senti dentro de mim como quem diz "sim, é realmente isto que Deus quer da minha vida; e é este o caminho para eu me realizar". Juan Antonio Granados, Felipe, Carlos, Sandro, Juan, Jaime, Carlos Granados, Pedro Pablo, Paco... Muitas são as saudades dessa familia que deixei para trás, e muito grato estou a Deus por os ter conhecido e pelo que aprendi deles. Deus queira que eu um dia os reveja.E se é esse o caminho, Senhor, porque ainda ando eu por vias travessas? Quando é que passarei a confiar mais em Vós?

1 comment:

erute said...

É engraçado que ainda ontem, andei a apagar umas quantas coisas do pc e encontrei esta tua foto e estava a reparar nos vossos sorrisos!...
Quem conhece e vivo com Deus, não pode ter outro.

"Pergunto-me se será sempre assim o dia-a-dia de um religioso, se é sempre assim tão cheio da presença de Deus." - também eu já fiz muitas vezes esta pergunta, mas ainda não consegui encontrar resposta.

Vamos confiando cada dia mais e um dia obteremos a resposta.